Não celebramos a Páscoa apenas no
dia da Ressurreição, nem mesmo nos três dias do Tríduo Pascal, mas durante uma
semana inteira, uma semana santificada. Vai da celebração dos Ramos ao domingo
dos domingos que é a Páscoa. Sete dias da nova criação que são colocados ao
lado dos sete dias criação. O mistério da Páscoa do Senhor é a recriação
do homem, bem como do universo. A Ressurreição nos conduz àquilo que a
tradição chamou de oitavo dia, Dia do Senhor, o Dia que rompe o ciclo do
tempo aqui e abre para a realidade da eternidade. Os cristãos ortodoxos
denominam estes dias de a “Grande Semana”.
Ramos: entre a glória e o
abaixamento
A procissão dos Ramos inaugura a
Semana Santa lembrando a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, que é seguida
da leitura da Paixão. Glória e abaixamento estarão presentes em todos os dias
de Grande Semana. O paradoxo é a própria língua do mistério. A procissão
é como o sinal sacramental da Páscoa, que é travessia, caminho, êxodo.
Entra-se na igreja com as palmas, como na sexta-feira se entrará com a cruz e
na vigília do sábado com o círio pascal. A procissão de Ramos fala da
coragem da partida, da esperança de uma terra e de uma humanidade nova. A
alegria da procissão, dos cantos, das folhagens entra em confronto com o tema
do sofrimento do Senhor.
Segunda-feira Santa
João descreve uma cena que se
passa em Betânia. Seis dias antes da Páscoa Jesus se encontra em casa de Marta,
Maria e Lázaro. Participa de uma refeição com outros convidados. O Mestre, na
hora do aperto no coração, está entre amigos. Maria toma uma libra de perfume
de nardo e lava os pés de Jesus, enxugando-os com seus cabelos. Judas discorda.
Vale a pena prestar atenção na palavra de Jesus: “Deixai-a, ela fez isso em
vista da minha sepultura. Pobres sempre os tereis convosco, enquanto a mim nem
sempre tereis”. Há um gasto perfeitamente lícito. O culto ao Senhor não
fez com avareza de qualquer sorte.
Terça-feira Santa
Novamente o evangelista João diz
que Jesus, à mesa, está profundamente comovido. Alguém há de entregá-lo. Quando
um estranho nos faz mal chegamos quase a compreender. O que haveria de trair
a Jesus era um discípulo, estava ali, aquele que comia um pedaço de pão
mergulhado no vinho. Judas sai. Era noite. Hora das trevas. A hora
de Jesus estava chegando. Hora de sua glorificação. Pedro, por sua vez,
adianta-se e fala de sua vontade de fidelidade e de dar a vida pelo
Mestre. “O galo não cantará antes que me tenhas negado três vezes”.
Poucas horas depois, no pátio do governador, ele haveria de negar o Mestre.
Depois da covarde negação, Pedro sai para fora e era noite. Estava, de
fato, se avizinhando a hora das trevas.
Quarta-feira Santa
Judas acerta com os
sumo-sacerdotes que trinta moedas de prata constituíam uma soma
para que lhes entregasse Jesus. Jesus de valor infinito é trocado por um
punhado de moedas.
Estamos diante do mistério de
Judas. Acautelemo-nos em julgá-lo. Quantas vezes nós mesmos negamos a Jesus por
covardia, falta de empenho e de generosidade.
Judas e Jesus se encontram num
face a face no final da caminhada. Não se trata de um “determinismo”.
Judas agiu com liberdade. “A liberdade é um dom, mas o seu reto uso é uma
conquista, é fruto da correspondência à graça divina. Nada é mais
arriscado do que acostumar-se com a graça: pode vir a ser irreparável. É
possível até acostumar-se com a Eucaristia. A Semana Santa é a mais trágica
celebração da liberdade humana em seu mistério mais profundo, no livre e
irrevogável não de Judas e no livre e irrevogável sim
de Cristo à vontade do Pai” (Missal Cotidiano da Assembleia Cristã,
Paulus, p.327).
Quinta-feira Santa – O
banquete do amor
Na quinta-feira Santa, celebramos
a última ceia, a última refeição de Jesus. A refeição pascal, judaica, familiar
e festiva era o memorial da libertação do Egito. Comia-se ritualmente o
cordeiro pascal como naquela noite, outrora, em que Deus havia tirado os
hebreus das mãos do faraó. Jesus faz o memorial de sua morte e de
sua ressurreição, a Páscoa nova na qual a salvação é oferecida a todos. O
Cordeiro da Páscoa é ele. Esta refeição é o banquete anunciado pelos profetas,
as núpcias de Deus com seu povo.
Nesse dia festivo, canta-se o
Glória que havíamos deixado de lado desde o começo da Quaresma, acompanhado
do alegre tilintar dos sinos que depois vão se calar até a Vigília
Pascal, quando haver-se-á de cantar a glória do céu e paz na terra aos
homens por ele amados.
Nesta quinta-feira somos
convidados a refazer o que Jesus pediu aos apóstolos, naquela ocasião: “Cuidai
de fazer todos os preparativos necessários para nossa refeição pascal”. O
Cristo, hoje, não pode se fazer presente entre nós a não ser se uma
assembleia o deseja e lhe prepara a vinda.
A quinta-feira é também o dia do
lava-pés. Trata-se de um dos gestos mais fortes que revela a pessoa de
Jesus. Somos convidados a viver a alegria e a partilha. Tal se dará
somente na medida em que tivermos gravada dentro de nós a cena do
lava-pés. Trata-se do anúncio da cruz.
A cerimônia termina com uma
procissão festiva para fora do templo com o pão eucarístico que será
colocado à mesa no dia seguinte. Na sexta-feira de manhã, a igreja que, na
véspera, estava toda enfeitada como uma sala de núpcias, agora tem quase
a frieza de um túmulo!
Sexta-feira Santa – A cruz
que dá vida
A grande celebração da Cruz do
começo da tarde nos faz ouvir, uma vez mais, a Paixão segundo João. Momento de
contemplação densa e de tocante desejo de silêncio. Depois faz-se a oração da
comunidade. Desfilam as grandes intenções. É Cristo que reza por
nossas bocas.
Em seguida uma cruz é introduzida
no espaço celebrativo acompanhada por ceroferários. Aos poucos o
celebrante descobre o corpo do Crucificado e realiza-se a veneração do santo
lenho do qual pendeu a salvação do mundo. Através de todos os ritos é nosso
ser, são nossas lágrimas, nossas alegrias que são transformadas. Comungamos, em
seguida, o pão eucarístico consagrado na véspera. Nesse dia não se celebra a
Eucaristia. Trata-se de um sinal forte da unidade do acontecimento pascal
celebrado em três dias: Jesus se dá na última ceia; acontece o
dom em sua morte na cruz, no dia seguinte, é expressão desse dom e na
noite da Ressurreição. Sua vida vitoriosa é dada. Cada vez que nos alimentamos
do pão consagrado comungamos o Cristo servidor, o Cristo
crucificado e o Cristo ressuscitado.
Sábado Santo – O “shabat”
de Cristo
No sétimo dia, o Senhor descansou
de toda sua obra, como lemos no livro do Gênesis. Os Padres da
Igreja interpretaram o Sábado Santo como o ‘shabat’ de Cristo
depois de sua obra de recriação do homem pela Cruz. Como Deus depois da criação
havia descansado no sétimo dia, da mesma forma Jesus chega ao repouso
depois da obra da nova criação, da obra da salvação. A ausência de liturgia
eucarística daria como que uma forma de sacramento a este vazio. Como se a
ausência, o vazio, pertencesse à profundidade da fé. Sabemos que todo
relacionamento de amor que não assume a provação do vazio e da ausência vive
num voltar-se para um espelho, para a ilusão e a posse. A Igreja, no sábado,
faz a vigília na oração.
Vigilia pascal – A noite da
iluminação
A celebração da Ressurreição de
Cristo começa na noite através de uma grande festa da luz. Os fiéis se
reúnem na parte exterior do templo, na escuridão. Nos lugares onde há batismos
os catecúmenos ocupam lugar de destaque ao lado dos fiéis. Vão ser “iniciados”
e “iluminados”, integrados à comunhão dos discípulos ao receberem os
sacramentos, o primeiro deles sendo o batismo.
Acende-se a fogueira. Primitivamente
o fogo era aceso com faíscas obtidas pela fricção entre duas pedras. A chama
brota da pedra do túmulo. A chama é grande, capaz de devorar e iluminar a
noite. Ela é símbolo da vida nova que a morte não pode apagar.
Perto está o grande círio,
marcado com os sinais de Cristo: a cruz, as letras alfa e ômega, os algarismos
do ano em curso. No Apocalipse, o Cristo é designado de Alfa e Ômega, o
princípio e o fim. Aos poucos todo o templo é iluminado com dezenas de
velas acesas. Noite de luz! A noite será mais clara que o dia.
São João Crisóstomo: “Vós que
buscais a Deus e que amais o Senhor vinde degustar a beleza e a luz desta
festa. Ricos e pobres, vivei na mesma alegria. Fostes diligentes ou
preguiçosos? Celebrai este Dia! Vós que jejuaste e vós que não
jejuastes, hoje alegrai-vos. A mesa do banquete de festa está posta: degustai
todos, sem reticência alguma!”
O canto do Exulte enche o templo.
Que dos céus desçam os anjos triunfantes, que soem as trombetas. Alegre-se a
terra, alegre-se a Mãe Igreja. Que Deus escute o Aleluia cantado por todo o
povo.
A liturgia da Palavra
desenvolve os principais temas da Páscoa. Ela é recriação, libertação,
soerguimento dos mortos. O conjunto de leituras, cânticos e responsórios constituem
uma catequese da fé pascal. Durante um bom espaço de tempo, sem pressa, são
proclamadas as maravilhas que o Senhor foi operando na história: criação,
vocação de Abraão, travessia do Mar Vermelho, o Deus esposo de
Isaías, caminhada rumo ao esplendor do Senhor na pena de Baruc, o
tema das águas puras e do coração novo e assim se chega ao portal do Novo
Testamento. Uma vigília que já consiste numa festa…
A terceira parte da Vigília é a
liturgia batismal, tão consentânea com a festa. Na Igreja antiga era nessa
grande noite da Páscoa que se realizava a iniciação aos mistérios cristãos: o
batismo, a crismação pelo bispo – nossa confirmação – e o acesso à mesa
eucarística. Em nossos dias, mesmo quando não há batizados, há a bênção da água
e da aspersão.
No final de tudo acontece a
liturgia eucarística da noite de Páscoa.